sábado, 16 de fevereiro de 2013

Todo o sentido é alegórico, na medida em que a sua narrativa (enquanto conjunto de passos fazendo o pensamento transitar do passado para o futuro) rearranja um conjunto de seres concretos numa abstração coerente.

A alegoria, enquanto género artístico, tem a sua própria história (a cultura alemã parece tê-la dominado de forma exemplar, como se pode verificar pelo cinema expressionista ou pela literatura de Kafka). Mas a arte realista que o século XIX impulsionou não é menos alegórica pelo facto de praticar uma estética da concretização (ao contrário de "Sunrise" de Murnau, o romance realista não fala da Aldeia, da Cidade, do Homem, da Mulher, mas de Alvaiázere, de Leiria, do Sr. Aristides Rocha e da Dona Hermengarda da Encarnação). O que acontece é que os indícios de sentido nele se encontram razoavelmente ocultados pela proliferação do detalhe. Mas mantêm-se tão ativos como aqueles que a alegoria em sentido estrito oferece com maior nudez.

É certo que o filosofar pode ter por base outras filosofias, outros sistemas de abstração. No entanto, nenhum pensamento pode atingir algum grau de validade se não for pensamento sobre as coisas no seu estado pré-pensado, ou seja, se não for uma nova reflexão sobre os dados concretos da vida.