segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

 


(Imagem de Álvarez Bravo)
Em todo o caso, a experiência cinematográfica do Efeito Kuleshov (que abordámos num ensaio publicado no sítio "Orfeu de corpo inteiro") sugere que, perante qualquer montagem de elementos díspares, tendemos a criar um elo de sentido, mesmo que esse sentido seja informulável, permaneça inconsciente, ou seja adiado para futuro (na aceção de que só conheceremos a sua verdade num momento posterior à intuição de que uma verdade haveria).

E aliás, por que não há de o pensamento considerar o lugar de destaque da criação poética quando analisa o funcionamento da linguagem? O que queremos excluir da República acaba sempre por sobreviver como rebeldia.
Talvez seja mais produtivo (e mais cauteloso) considerar que em toda a frase absurda há uma ocultação da informação relevante que a poderia tornar não absurda.

Depois da Academia e do Liceu, talvez não fosse má ideia montar uma escola de filósofos onde eles fossem treinados para dificultarem, até ao máximo rigor possível, as declarações de invalidade ou de validade dedutiva com as quais se tenta reduzir a linguagem (e o pensamento) a um esquematismo precipitado. Estariam condenados ao fracasso, estes criadores de possibilidade, mas seria um fracasso investido da dignidade daqueles que nunca cedem perante a espetacularidade da primeira (e superficial) impressão.
Outro cenário que reduz o potencial absurdo da frase é aquele que considera que quem a proferiu é um amigo de Ricardo, um cínico com sentido de humor, que quis dessa forma mostrar o seu desinteresse sarcástico pelas artes marciais a que o seu comparsa esforçadamente se dedica.

Neste caso, a conclusão da inferência só é "falsa" se a tomarmos na sua aceção literal. Ora, a despeito do wishful thinking de alguns engenheiros de almas que querem construir o "falante novo", o exercício da linguagem não pode ser liberto da sua funcionalidade figurada.
A falta de qualquer ligação racional entre a premissa e a conclusão da inferência anterior sentenciam-na a uma invalidade lógica. Na verdade, a frase parece simplesmente absurda.

Há, contudo, que não ceder demasiado terreno ao fascínio pelo absurdo. Basta considerar que a emissão de linguagem em análise teria sido proferida num contexto em que tanto o seu emissor como o(s) seu(s) recetor(es) sabiam que, no caso policial de um homicídio conhecido por todos, a prova decisiva para se ter encontrado o assassino de entre os únicos suspeitos relevantes (o círculo de amigos próximos da vítima) tinha sido a sua habilidade como praticante de artes marciais.
Tomemos a seguinte emissão de linguagem: "Ricardo é o único praticante de artes marciais no seu círculo de amigos próximos; logo, foi condenado pelo tribunal a 25 anos de prisão."