domingo, 25 de novembro de 2012


(Imagem de Enzo Penna)
Exemplo:
Podemos, caso não tenhamos nada de melhor para fazer, usar a frase "Tudo é provocado por uma causa" como argumento para a existência de Deus. Simplificando muitíssimo: se é indesmentível que tudo é provocado por uma causa, então há uma causa que provoca tudo; essa causa é Deus. Este Argumento Cosmológico, absolutamente falacioso, não precisa de ser combatido por raciocínios subtilíssimos a propósito da ambiguidade dos "quantificadores" linguísticos. Basta pensarmos que, na simplificação que expusemos, há duas palavras em falta que demonstram que as duas frases não são simétricas ou especulares uma em relação à outra. Preenchamos as elipses e a falácia fica à mostra: "Se é indesmentível que tudo é provocado por uma causa específica, então há uma causa única que provoca tudo." Não, não é desta que Deus existe.
Exemplo:
Quando duas frases (ou muito especificamente duas premissas de um raciocínio) têm entre elas um vínculo de conjunção, só podemos aceitar como verdadeira a totalidade desse enunciado se as suas duas partes forem verdadeiras (basta uma ser falsa, e o enunciado tem de ser denunciado como falso). Nesse sentido, é indiferente pronunciar "a&b" ou "b&a" ("Luís é moreno e usa barba" ou "Luís usa barba e é moreno") para auferir o valor de verdade da formulação.

Ora, nem sempre essa possibilidade de mutação da ordem lógica é aceitável. Se eu disser "João respirou fundo e pegou no seu instrumento musical", estou a atribuir uma sucessão cronológica ao desenrolar das duas ações, e por isso tal frase não equivale a "João pegou no seu instrumento musical e respirou fundo", frase que inverte a ordem temporal dos eventos.

Na verdade, neste caso, o que acontece é que falta a palavra "depois" ao enunciado para ele poder ser compreensível (simplesmente tal palavra é automaticamente intuída pelos utilizadores da língua que estão por demais habituados a essa convenção). Assim, "João respirou fundo e depois pegou no seu instrumento musical" já não nos aparece como uma conjunção vulgar. A ser uma conjunção, teria de ser uma espécie de conjunção temporal. Ora, como se sabe, o tempo não volta para trás.
A tomada de consciência do elemento elíptico pode ser um bom ponto de partida para a resolução de um problema de pensamento aparentemente complexo (ou, pelo menos, para o apressar da constatação de que tal problema nunca existiu).

sábado, 17 de novembro de 2012


(Imagem de Ara Güler)
Para os utilizadores da linguagem, a presença do elemento elíptico pode ser mais ou menos consciente, mais ou menos convencionada, mais ou menos funcional.
Já num sentido mais técnico (e mais restrito), outra expressão do mesmo fenómeno é a conversational implicature teorizada por Paul Grice: se, num dia de praia canicular, Simão quiser proteger a sua pele da inclemência do sol e, em conversa sobre o assunto, Nuno lhe disser que "há um creme na mochila", não é preciso que este sublinhe que se trata de um protetor solar e não de um outro tipo de creme qualquer (incluindo o doce com o mesmo nome) para que Simão entenda a mensagem com absoluta clareza. Como usualmente pretendemos ser relevantes na nossa comunicação, certas inferências a partir das emissões de linguagem resultam menos do que foi efetivamente dito que do simples facto de ter sido dito num contexto determinado.
De forma espontânea (e saudavelmente desajeitada), os falantes referem-se a esta omnipresença da elipse quando confessam que "se chega a um ponto em que só as palavras não são suficientes" ou que "a comunicação se faz menos por palavras do que por olhares, sorrisos...".
Não entendemos aqui elipse no sentido estrito de não-dito automaticamente subentendível pelo destinatário de uma emissão de linguagem, mas enquanto ocultação genérica de informação cuja relevância poderá por vezes só ser descortinada por via do pensamento.
Toda a emissão de linguagem é constituída por uma componente de informação e por uma componente de elipse.