sábado, 16 de fevereiro de 2013

Caminhava eu, um dia destes, na Praça da Batalha, e enumerava para mim mesmo tudo o que ia observando: um luxuoso e muito cuidado teatro oitocentista, bancos de jardim presos a um chão de pedra, um cinema fechado, uma loja popular debitando fado em altos brados, um sem-abrigo dormindo no chão, uma igreja orgulhosa... Concluí: estas coisas não têm nenhuma relação entre si a não ser o facto de partilharem o mesmo espaço.

No entanto, a não-relação entre tais coisas é tão radical que, se nos mantivéssemos na esfera da coisificação, não precisaria sequer de ser levantada enquanto problema. Ou seja, só mesmo um animal de sentido, como o humano exclusivamente é, precisa de formular a hipótese de não haver sentido nenhum. E essa hipótese é, obviamente, uma hipótese de sentido: o sentido de não o haver.

Podem espernear o que quiserem todos aqueles que pretendem celebrar o absurdo ou o vazio: o ser humano tem o sentido por condição e dele não consegue fugir (ainda que o possa ilustrar com belas e ambiciosas demonstrações de nonsense).